Eles foram os
monges prediletos de santos e papas. Mas acabaram acusados de bruxaria e
sodomia. Conheça os Cavaleiros do Templo, a sociedade secreta mais badalada e
poderosa da Idade Média
Da
Redação da Revista Superinteressante access_time 31 out 2016, 18h35 - Publicado
em 31 out 2008, 22h00 chat_bubble_outline more_horiz
Por Álvaro Oppermann
o dia 18 de março
de 1314, Paris amanheceu nervosa. Jacques de Molay, grão-mestre da Ordem dos
Templários, iria para a fogueira. O condenado à morte pediu duas coisas: que
atassem suas mãos juntas ao peito, em posição de oração, e que estivesse
voltado para a Catedral de Notre Dame. No caminho, parou e fitou os dois homens
que o haviam condenado: o rei Filipe, o Belo, e o papa Clemente 5º. Rogou-lhes
uma praga: “Antes que decorra um ano, eu os convoco a comparecer perante o
tribunal de Deus. Malditos!” Depois disso, calou-se e foi queimado vivo.
As chamas que consumiram De Molay
também terminaram com uma época, da qual o grão-mestre foi o derradeiro
símbolo: a das grandes sociedades secretas da Idade Média. Nenhuma foi tão
poderosa quanto a Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão
– nome completo dos templários. “Enquanto
o clero e a nobreza se engalfinhavam na luta pelo poder, os templários, sem
dever obediência senão ao papa, desfrutavam de uma independência sem par”,
diz o historiador britânico Malcolm Barber, autor de A History of the Order of
the Temple (“Uma História da Ordem do Templo”, inédito no Brasil).
TROPA
DE ELITE
A ordem foi fundada em Jerusalém, no
ano de 1119. Seu propósito era dar proteção aos peregrinos cristãos na Terra
Santa. A cidade tinha sido conquistada pelos cruzados em 1099, mas chegar até
lá continuava sendo um problemão. Ela era praticamente uma ilha, cercada de
muçulmanos por todos os lados. A solução, proposta pelo cavaleiro francês Hugo
de Payns, agradou ao rei de Jerusalém, Balduíno 2º: criar uma força militar
subordinada à Igreja. A idéia era inédita. Até então, existiam monges de um
lado e cavaleiros de outro.
“Payns inventou uma nova figura, a do
monge-cavaleiro”, diz Marion Melville, autora de La Vida
Secreta de los Templarios (sem tradução para português). O exército seria
formado por frades bons de espada, que fariam, além dos votos de pobreza,
castidade e obediência, um quarto juramento: o de defender os lugares sagrados
da cristandade e, se necessário, liquidar os infiéis. Balduíno alojou-os no
local onde outrora fora construído o mítico Templo de Salomão. Daí o nome do
grupo: templários.
Em 1129, a ordem recebeu aprovação do
papa no Concílio de Troyes. Em 1139, veio a consagração definitiva: uma nova
bula papal isentava os templários da obediência às leis locais. Eles ficariam
submetidos, dali em diante, somente ao sumo pontífice. Os Cavaleiros do Templo
admitiam excomungados em suas igrejas (o que era uma senhora blasfêmia para a
mentalidade religiosa da época). Certa vez, um grupo de templários interrompeu,
entre risos e com uma revoada de flechas, uma missa na Basílica de Jerusalém. O
padre era de outra ordem, a dos Hospitalários, e entre as duas havia uma rixa
histórica. “Apesar da bravura reconhecida, os templários muitas vezes foram
censurados por seu orgulho e arrogância”, afirma o historiador francês Alain
Demurger no livro Os Templários: Uma Cavalaria Cristã na Idade Média.
Os Cavaleiros do Templo, também, eram
proibidos de se confessar a outros que não fossem os capelães templários.
Igualmente, o livro da Regra – que tinha sido escrita por ninguém menos que são
Bernardo de Claraval – era restrito ao alto escalão da ordem (leia mais na pág.
27). Os outros tinham de sabê-la de cor. Era uma forma de preservá-la, caso
caísse em mãos erradas. Porém, entre cochichos, se especulava que a Regra
continha artigos secretos cifrados, cuja interpretação dava posse de
conhecimentos esotéricos, como a fonte da juventude ou a transmutação de
metais. Com o crescimento da ordem, os templários não pararam mais de receber
doações, e em pouco tempo estavam administrando uma gigantesca fortuna
espalhada por toda a Europa, composta de peças de ouro, prata, castelos,
fortalezas, moinhos, videiras, pastos e terras aráveis. O grupo emitia cartas
de crédito: o peregrino à Terra Santa depositava uma determinada soma na
Europa, que podia ser resgatada quando chegasse a Jerusalém. “O Templo de Londres
foi chamado de precursor medieval do Banco da Inglaterra”,
escreve o historiador britânico Edward Burman no livro Templários: Os
Cavaleiros de Deus. Isso fez crescer o olho de muitos novos adeptos.
O teólogo inglês João de Salisbury, em
1179, se perguntava se os cavaleiros não tinham cedido às ambições terrenas.
Essa suspeita se tornou certeza em diversos casos. Em 1291, a viúva de um nobre
templário foi expulsa de sua propriedade na Escócia pelo chefe da ordem no
país, Brian de Jay. Segundo o contrato firmado pelo marido, a posse das terras
voltaria à família depois de seu falecimento. Maliciosamente, Brian recusou-se
a devolvê-las. E o pior: ordenou que seus homens arrombassem a casa da viúva.
Como ela se agarrou à porta, em completo desespero, teve os dedos decepados
pela espada de um cavaleiro.
Enquanto os templários seguraram as
pontas na Palestina, todos fizeram vista grossa aos seus desmandos. Porém,
quando o jogo na Terra Santa virou, e os muçulmanos gradualmente reconquistaram
a região – processo que culminou com a expulsão dos cristãos do solo sagrado em
1303 –, a animosidade contra a ordem explodiu. “A expulsão foi particularmente séria para os
templários, cujo prestígio e função se identificavam com a defesa dos lugares
da vida, morte e ressurreição de Cristo”, diz Malcolm Barber. Na
Alemanha, “beber como um
templário” virou sinônimo de
bebedeiras, e “Tempelhaus”
(a Casa do Templo), lugar de farra e até prostituição.
OS
EXPOSTOS
A ressaca pela perda da Terra Santa,
porém, não foi o fundo do poço para os templários. A aliança com o papa, que se
mostrava tão útil desde o século 12, revelou-se uma faca de dois gumes. Em
1305, o novo sumo pontífice, Clemente 5º, se tornou aliado do rei da França,
Filipe, o Belo. E os dois conspiraram para a destruição da Ordem do Templo. “O rei precisava de
dinheiro para financiar seu aparato bélico”, diz Edward
Burman. Em 1306, Filipe desvalorizou a moeda francesa. Os parisienses ficaram
furiosos e saquearam a cidade. A coisa foi tão feia que Filipe, ironicamente,
teve de se ocultar numa fortaleza dos templários nos arredores de Paris. Lá,
bem sob seus olhos, jazia a resposta para as suas orações: sacos e sacos de
moedas de ouro.
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Felipe o Belo - Rei da França |
No dia 13 de outubro de 1307, uma
operação sigilosa da guarda de Filipe deteve e encarcerou boa parte dos
templários da França. As acusações eram pesadas e seguiam os moldes dos
processos inquisitoriais daquela época: rejeição da cruz e de Jesus Cristo,
beijos obscenos, sodomia e idolatria do Diabo (leia mais nas páginas 26 e 27).
A tortura foi legitimada pelo rei. Os interrogatórios eram brutais: o cavaleiro
Bernardo Vado, por exemplo, teve os pés tão queimados que seus ossos acabaram
expostos.
Em março de 1312, no Concílio de Vienne,
o papa extinguiu a ordem. A pá de cal foi a execução de Jacques de Molay, o
último grão-mestre dos templários. Os monges-guerreiros que sobreviveram se
mantiveram fiéis à Igreja, vivendo no anonimato. Um detalhe curioso e mórbido:
a praga rogada por Jacques pegou. Clemente morreu 42 dias depois de De Molay, e
Filipe bateu as botas em 29 de novembro daquele mesmo ano. Terminava assim a
história dos cavaleiros de Cristo. Terminava? Bem… ainda não.
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Papa Clemente V |
Depois da blitz aos templários
engendrada por Filipe, o Belo, alguns frades teriam reconstruído secretamente a
ordem. E dezenas de sociedades secretas posteriores seriam filhotes do
movimento. Será que isso é verdade? Quando fizeram essa pergunta ao historiador
Malcolm Barber, ele apenas sorriu e respondeu com ironia: “Como escreveu
Umberto Eco em O Pêndulo de Foucault, ‘os templários sempre estão por trás de
tudo’ ”.
Mitos e lendas?
As histórias mais fantásticas
envolvendo os templários
SANTO
GRAAL
A Ordem do Templo teria sido fundada
pelo Priorado do Sião e guardou o segredo da filha bastarda de Jesus Cristo. “Isso é uma invenção do
anti-semita Pierre Plantard, em 1956”, afirma o historiador
italiano Massimo Introvigne.
ARCA
PERDIDA
Os templários supostamente escavaram o
Templo de Salomão e encontraram a Arca da Aliança. E ainda teriam descoberto os
segredos dos primeiros maçons. “É
tudo fantasia”, garante o especialista Alain Demurger.
TEUROS
DO TEMPLO
O Manuscrito Copper, encontrado na
região do mar Morto, revelaria a localização dos tesouros do Templo de Salomão
e teria sido descoberto pelos templários. “É lenda”, diz
o historiador Kenneth Zuckerman.
MALDIÇÃO
DE MOLAY
A praga rogada por Jacques de Molay foi
fulminante, matando o papa Clemente 5º e o rei Filipe, o Belo. Segundo algumas
fontes, Clemente na verdade morreu de câncer, enquanto Filipe foi vítima de um
derrame cerebral.
SEXTA-FEIRA
13
A crença de que a “sexta-feira 13” é um
dia de azar teria surgido em 13 de outubro de 1307, data na qual ocorreu a
prisão dos templários na França. Nada a ver. A primeira menção à “sexta-feira
13” é recente, de 1898.
Para
saber mais
• Os Templários: Uma
Cavalaria Cristã na Idade Média - Alain Demurger, Difel, 2007.
• Templários: Os
Cavaleiros de Deus - Edward Burman, Nova Era, 1997.
Por dentro da ordem do
templo
QUEM
ERA QUEM
Os homens que defenderam Jerusalém em
nome de Cristo.
Pader
Os membros combatentes da ordem, apesar
de sua formação de monge, eram quase sempre analfabetos e com pouco
conhecimento de teologia ou das Escrituras. Por isso, as missas, confissões e
outras cerimônias religiosas eram presididas por padres que viviam nos
estabelecimentos templários.
Cavaleiro
Geralmente de origem nobre, era o
membro da ordem por excelência: tanto um guerreiro experiente, treinado para
combater a cavalo com armadura pesada, quanto um monge ordenado, com votos de
pobreza, obediência e castidade. Os cavaleiros templários nunca foram mais do
que 10% dos integrantes.
Soldado
Os templários também recrutavam
soldados leigos, que não eram monges e, na Terra Santa, podiam até ser cristãos
de origem síria. Nenhum deles era obrigado a seguir os votos de castidade dos
cavaleiros – alguns, inclusive, eram casados. Havia também irmãos leigos que
realizavam tarefas domésticas.
ENTRE
O BEM E O MAL
A história dos templários está
associada a santos e demônios.
SANTO
São Bernardo foi o melhor amigo dos
templários. Afinal, nos primórdios da ordem, eram muitos os que achavam que
matar infiéis não era algo muito cristão. Ao publicar a defesa doutrinal do
grupo, em 1135, Bernardo convenceu a todos da necessidade de fazer justiça pela
espada. Sobrinho de um membro da ordem, foi cavaleiro antes de seguir carreira
religiosa. Morreu em 1153 e virou santo 20 anos mais tarde.
DEMÔNIO
Um dos símbolos mais enigmáticos
associados aos templários é o de Baphomet. “O nome vem de Maomé”, diz o
historiador Malcolm Barber. Seria a encarnação do Diabo. Para outros
estudiosos, contudo, representaria os santos dos primórdios da Igreja. Na Idade
Média, prevaleceu a versão mais sinistra. Os templários empregariam a figura em
seus ritos. Mas tudo não passa de uma lenda, jamais comprovada.
INFÂMIA
SECULAR
A insígnia da Ordem do Templo – dois
cavaleiros dividindo a mesma sela – acabou sendo usada para difamar os
templários, acusados de homossexualidade e outras práticas mundanas nos anos
finais da cavalaria. Na verdade, o emblema simbolizava humildade: a pobreza não
permitiria uma montaria para cada cavaleiro.
FOLHA
CORRIDA
Fundação: 1119, em Jerusalém.
Fundador: Hugo de Payns.
Integrantes: aproximadamente 15 mil homens no início
do século 13.
Patrimônio: 9 mil propriedades espalhadas pela
Europa no século 13 (US$ 160 bilhões em valores atuais*).
Extinção: 3 de abril de 1312.
* Cálculo da
Associação do Templo de Cristo.
Cronologia
1048: Mercadores de
Amalfi obtém permissão muçulmana para construir hospital em Jerusalém para
peregrinos pobres ou doentes.
1070: +-:A Ordem de
São João (Hospitalários) originou-se como um hospital beneditino para
peregrinos nas vizinhanças do Santo Sepulcro e foi fundada por volta de 1070
por comerciantes de Amalfi.
1098: Reinos de
Jerusalém, Condado de Edessa, Principado de Antioquia, Condado de Trípoli.
1100: Fundação da
Ordem dos Hospitalários (Cavaleiros do Hospital de S. João de Jerusalém).
1113: Hospitalários
adotam como principal finalidade luta por Jerusalém. Pascoal II aprova ordem
fundada em Gerardo (+1121).
1113 Primeiro
privilégio papal para o Hospital de S. João
1118: Fundação da
Ordem dos Templários
1120: +-:Estatuto
dos Hospitalários. Raimundo de Puy reorganiza instituição de 1048 como ordem
religiosa votada a castidade, pobreza e proteção dos lugares santos. Calixto II
aprova Ordem dos Hospitalários.
Circa 1120: Por
iniciativa de Raimundo de Puy, Hospitalários transformam-se em ordem militar
destinada a proteção do Santo Sepulcro.
1128: Fundação da
Ordem Teutônica (Deutsches Ritter) ou do hospital para cruzados alemães em
Jerusalém.
1142: O Krak dos
Cavaleiros, em Acre, foi reconstruído na sua maior parte pelos Hospitalários,
que o tiveram desde 1142 até à sua queda em 1291 quando tomado pelos
Muçulmanos.
1148: Ataque a
Damasco
1187: Batalha de
Attin, queda de Jerusalém e mudança da sede para Acre
1187: (2/10): Melik
el-Afdal (+1225), Sultão Ayubita do Egito, Síria e Mesopotâmia, filho de
Saladino, vence Templários e Hospitalários em Tiberíade.
1190: Germânicos da
Palestina, ajudados por uns poucos da pátria, fundam a Ordem dos Cavaleiros Teutônicos
e estabelecem hospital perto de Acre.
1191: Ricardo
Coração de Leão toma S. João de Acre mas abandona-a antes do fim do ano por
desentendimento com os restantes cruzados.
1192:
Aconselhamento de Ricardo I de Inglaterra contra atacar Jerusalém.
1218: Tomam parte
no cerco de Damietta que é tomada no fim do ano seguinte.
1229: Frederico II
da Suábia obtém pacificamente Jerusalém do Sultão do Egito.
1246: Os muçulmanos
retomam Jerusalém. O Grão-Mestre Guilherme de Chateuneuf é aprisionado.
1255: Gênova e os
Hospitalários contra Veneza e os Templários disputam Acre (Tolemaida) entre si.
20 mil cristãos morrem numa batalha.
1270: A enérgica ação
de S. Luis põe fim às lutas entre Templários e Hospitalários
1271: Juntam-se a
Eduardo (mais tarde Eduardo I) na cruzada Inglesa.
1289: Envolvem-se
na mal sucedida defesa de Trípoli.
1291:
(5/4):Henrique II, rei de Chipre e de Jerusalém, Guilherme de Beaujeu, e Jean
de Villiers (Grão-Mestre Hospitalário) são cercados junto com 800 cavaleiros,
12 mil infantes e 30 mil civis. Última praça. (15/4):Guilherme de Beaujeau faz
uma sortida mas fracassa ao tentar incendiar maquinas de guerra. Perda de Acre;
saída para Chipre.
1306: Iniciam a
invasão de Rodes.
1310: Uma cruzada
Hospitalária consolida o controlo de Rodes.
1311: A Sede
estabelece-se em Rodes.
1312: (2/5) A
propriedade dos Templários suprimidos é dada aos Hospitalários por Clemente V.
1374 Empreendem a defesa de Esmirna.
1377 Achaea
entregue por cinco anos aos Hospitalários. 1378 Mestre Hospitalário Juan
Fernandez de Heredia capturado na Albânia.
1402 Dezembro:
Esmirna tomada por Tamerlão.
1440-1444:
Mamelucos atacam Rodes.
1480: Cerco de
Rodes pelos Turcos.
1522: de Julho a 18
de Dezembro: Cerco de Rodes pelos Turcos.
1523: 1 de Janeiro:
Deixam Rodes.
1530 23 de Março:
Recebem Malta e Trípoli de Carlos V.
1535: Carlos V participa
na tomada de Tunis.
1540: Confisco da
propriedade Hospitalária em Inglaterra.
1551: 14 de Agosto:
Rendem-se aos Turcos em Trípoli.
1565: 19 de Maio a
8 de Setembro: Grande cerco de Malta pelos Turcos.
1571: Fazem parte
da força naval papal na Batalha de Lepanto.
1614: Ataque dos
Turcos a Malta.
1664: Atacam Argel.
1707: Ajudam a
defender Oran.
1792: Confisco da
propriedade Hospitalária em França.
1798: 13 de Junho:
Malta rende-se a Napoleão.
fonte: http://bocasmacao.blogs.sapo.pt/19400.html
Fotos: captura internet